Quando foi que começamos a nos importar tanto com a aparência das crianças? Desde muito cedo, elas passam a ser alvo de comentários sobre detalhes que, na verdade, não deveriam importar. Meninos de cabelo comprido, meninas de sobrancelha grossa, crianças de pele mais escura ou mais clara, com traços mais marcantes ou não… O olhar adulto, já moldado por padrões e expectativas, impõe uma visão crítica sobre algo que, para as crianças, simplesmente não tem relevância.
Porque crianças não têm maldade. Elas não enxergam o mundo com os mesmos filtros carregados de julgamentos que nós, adultos, fomos ensinados a usar. Para uma criança, o amigo é só o amigo. A menina de sobrancelha grossa é a parceira da brincadeira, o menino de cabelo longo é quem ajuda a construir o castelo de areia. Não há questionamento sobre a estética do outro – essa preocupação é algo que ensinamos, muitas vezes sem perceber.
A Infância Não Precisa de Padrões
O incômodo dos adultos com a aparência infantil diz muito mais sobre nós do que sobre elas. Nos incomodamos porque fomos moldados a acreditar que existem regras sobre como um menino ou uma menina devem parecer. Porque crescemos ouvindo que beleza precisa ser de um jeito específico, que características naturais precisam ser “corrigidas”, que há traços mais desejáveis do que outros. E, ao replicar isso, passamos adiante uma ideia cruel: a de que a aceitação está condicionada à adequação.
Mas por quê? Por que um menino não pode ter o cabelo comprido se ele gosta dele assim? Por que uma menina deveria “dar um jeito” em sua sobrancelha se isso não a incomoda? Por que um traço natural de uma criança se torna um problema na visão dos adultos?
Quantos pais já ouviram alguém dizer, ainda que “de brincadeira”: “Esse menino parece uma menina com esse cabelo!” ou “Essa menina tem uma sobrancelha muito cheia, quando crescer vai precisar tirar!”? Pequenos comentários, muitas vezes feitos sem intenção de machucar, mas que criam raízes na autoestima da criança.
Porque, cedo ou tarde, ela começa a perceber que há algo em sua aparência que os outros comentam. E, ainda que no início ela não entenda exatamente por quê, começa a se olhar no espelho com um olhar que antes não existia: um olhar de dúvida. Um olhar que se pergunta se está tudo bem ser como é.
A Responsabilidade dos Adultos
Se crianças não nascem com essa maldade, então de onde vem essa preocupação com a aparência? Vem de nós. Vem dos comentários que fazemos, das expressões que deixamos escapar, dos elogios seletivos, das críticas disfarçadas de preocupação.
E essa responsabilidade pesa. Porque o mundo já vai ser duro o suficiente com as crianças à medida que crescem. Elas vão descobrir, cedo ou tarde, que a sociedade impõe padrões. Mas que essa descoberta não precise vir antes da hora, e principalmente, que não venha dentro de casa, de pessoas que deveriam ser seu porto seguro.
Nossa missão como pais, mães e cuidadores não é moldar crianças para que sejam aceitas pelos outros, mas sim fortalecê-las para que se aceitem como são. Que possamos ser o olhar de amor e respeito que gostaríamos que o mundo tivesse sobre elas. Que possamos ensiná-las que não há nada de errado em serem exatamente como são.
Porque, no fim das contas, o que realmente deveria nos incomodar não é um cabelo grande, uma sobrancelha grossa ou qualquer outro detalhe físico de uma criança. O que deveria nos incomodar é o fato de que ainda vivemos em uma sociedade que acha que pode opinar sobre isso.
Por Dani Fontana